SEMANÁRIO JURÍDICO – EDIÇÃO 24.02.2023

JOSINO RIBEIRO NETO

O CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DO STF.

Setores restritos da imprensa e familiares de presos estão denunciando que o Sr. Alexandre de Moraes, com o apoio de seus pares do STF, determinou a prisão de inúmeras pessoas, alguns idosos, doentes, crianças, num ginásio destinado a práticas esportivas, em Brasília – DF., restando verdadeiro campo de concentração, bem ao estilo nazista.

 A situação dos presos, acusados de atos atentatórios ao regime e invasão de prédios públicos, sem o devido processo legal e o direito de defesa, se verdadeiras as informações, é muito grave e alguém tem que fazer alguma coisa em benefício dos custodiados, que vivem, segundo noticiam,  em situação desumana, privados de tudo, especialmente, do direito de se defenderem.

O Sr. Lula, que se arvora de defensor das causas sociais relevantes, tem o dever de adotar providências, no sentido de conter os atos arbitrários do Sr. Alexandre de Moraes, em defesa dessa multidão encarcerada, que clama por justiça.

AS FAMILIAS BRASILEIRAS NA MODERNIDADE.

Tradicionalmente a família era constituída pelo casamento do homem com uma mulher, que era tipo regra pétrea de convivência, que deveria ser duradoura.

Mas como já exposta em matéria publicada, a criatura humana evoluiu e passou a criar regras de convivência fora dos moldes tradicionais e, na verdade, que o que deve priorizar é a dignidade da pessoa humana, que deve e tem o direito de ser feliz.

A Constituição Federal de 1988, premida pela realidade patente, ampliou o conceito de família, reconhecendo as uniões fora do casamento tradicional, sob a denominação de entidade familiar, conforme os regrados postos no art. 226.

A ampliação ditada pela CF motivou o reconhecimento das relações homoafetivas, em especial, através de decisões dos tribunais superiores (STJ, TSE e STF), comentado pela jurista Maria Berenice Dias, no livro de sua autoria: Manual do Direito das Famílias, 11ª edição, RT, p. 270:

“A homossexualidade sempre existiu. Não é crime nem pecado; não é uma doença nem um vício. Também não é um mal contagioso, nada justificando a dificuldade que as pessoas têm de conviver com lésbicas, gays, bissexuais, travestis, mais, nada menos, uma outra forma de viver, diferente do padrão majoritário. Mas nem tudo o que é diferente merece ser discriminado. Muito menos ser alvo de exclusão social. A origem da homossexualidade, não se conhece. Aliás, nem interessa, pois, quando se buscam causas, parece que se está atrás de um remédio, de um tratamento para encontrar cura para algum mal”.

Sobre a matéria o legislador tem se mostrado tímido na elaboração de leis sobre o tema. Maria Berenice Dias (ob. cit. p. 273) afirma:

 “O repúdio social a segmentos marginalizados acaba intimidando o legislador, que tem enorme resistência em chancelar lei que vise a proteger quem a sociedade rejeita. Omitem-se na vã tentativa de excluir da tutela jurídica as minorais alvos da discriminação. Nada mais do que uma perversa condenação à invisibilidade”.

A omissão do legislador tem como consequência perversa, de parte de alguns acomodados magistrados a negar a tutela jurídica dessas minorias, mesmo, supostamente, sendo ciente, que as lacunas no sistema legal não autoriza que o juiz seja omisso. A determinação é que julgue todas as questões postas à sua apreciação, conforme a determinação posta no art. 140:

“O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”.

A jurisprudência segue o entendimento da lei:

“No ordenamento jurídico brasileiro o legislador atribui ao juiz enormes poderes, menos o de deixar de julgar a lide e de garantir a cada um  – inclusive à coletividade e as gerações futuras – o que lhe concerne segundo o Direito vigente. Portando, reconhecer abertamente a infração para negar o remédio legal pleiteado pelo autor, devolvendo o conflito ao Administrador, ele próprio corréu por desleixo, equivale a renunciar à jurisdição e a afrontar , por conseguinte, o princípio da vedação non liquet. Ao optar por não aplicar  norma inequívoca de previsão de direito ou dever , o juiz, em rigor, pela porta dos fundos, evita decidir, mesmo que, ao fazê-lo, não alegue expressamente lacuna ou obscuridade normativa, já que as hipóteses previstas no art. 140, caput, do Código de processo Civil de 2015 estão listadas de forma exemplificativa e não em numerus clausus” (STJ, REsp. 1782692/PB, 2ª T., DJe 15.11.2019).

Como afirmado o tema tem sido prestigiado por decisões das Cortes Superiores. Em 1998 o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ, decidiu acolhendo a sociedade de fato entre conviventes do mesmo sexo (relacionamento homoafetivo), assegurando a um dos parceiros  a metade do patrimônio adquirido pelo esforço comum, restando assente a exigência da mútua colaboração na composição do patrimônio a ser partilhado ( REsp. 773.136/RJ, 3ª Turma., 10.10.2006 e REsp 648.763/RS, 4ª Turma, 07.12.2006).

O SUPERIOR TRIBUNAL ELEITORAL reconheceu a existência de uma união estável homossexual e considerou inelegível à parceira, registre-se, do mesmo sexo, de uma ocupante de cargo eletivo.

No ano de 2010 o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ, mais uma vez, acolheu a legalidade de relacionamento homossexual e decidiu à parceira a adoção unilateral dos filhos que tinham sido adotados pela companheira, uma vez que haviam planejado adotá-los em conjunto (REsp. 889.852/RS, 27.04.2010).

Em 05.05.2011 o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF, acolheu duas ações declaratórias de inconstitucionalidade (ADI 4.277  e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05.05.2011), reconhecendo as uniões homoafetivas como entidades familiares, com os mesmos direitos e deveres das uniões estáveis. Para muitos doutrinadores a histórica decisão, proferida por unanimidade (bons tempos do STF), dispõe de eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública, direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (CF, 103, § 2º). A desobediência enseja pedido de RECLAMAÇÃO diretamente ao STF.

Mais uma vez invoca-se a lição de Maria Berenice Dias (ob. cit. p. 275):

“A partir dessa decisão começou a jurisprudência a admitir a conversão da união homoafetiva em casamento, até que o STJ deferiu a habilitação direta para o casamento. Resolução do CNJ proibiu às autoridades competentes recusarem a habilitação, a celebração do casamento civil ou a conversão da união estável em casamento. Como diz Rosa Maria de Andrade Nery, é um arremedo da solução jurídica que o parlamento deveria dar, com completa resolução sistemática das questões de família e de sucessões que a matéria sugere.”

O que se pode constatar é que a omissão do legislador foi suprida por repetidas decisões das Cortes Superiores (STJ, TSE, STF), e aos poucos as resistências estão sendo atenuadas e os casamentos firmados entre pessoas do mesmo sexo vêm acontecendo e, registre-se, o STF acabou reconhecendo a existência de repercussão geral sobre a existência de uniões homoafetivas (STF, ARE 656298-RG, j em 08.03.2012).

O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, através do PROVIMENTO Nº  37/2014, autorizou o registro das uniões estáveis , inclusive entre pessoas do mesmo sexo, no Livro “E” do Registro Civil das Pessoas Naturais, do domicílio dos companheiros. Em suma, tanto as uniões formalizadas por escritura pública como em decorrência de decisão judicial, podem ser registradas não somente a constituição, mas também sua dissolução.