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Na edição anterior da coluna amplo direito busquei demonstrar que a irônica crítica de Machado de Assis à sociedade burguesa do século XIX, contida no livro “O Alienista”, encaixa-se perfeitamente aos dias atuais.

O referido livro, como eu disse por ocasião do artigo, retrata o mundo perturbado da cidade de Itaguaí (RJ), onde ali vivera um médico, Dr. Simão Bacamarte, que decidiu agasalhar e tratar todos os loucos na chamada “Casa Verde”, mas, depois de algum tempo, reviu os fundamentos de sua teoria para admitir como normal o desequilíbrio das faculdades e como hipóteses patológicas todos os casos em que o equilíbrio fosse constante.

Naquele artigo afirmei que “O Alienista”, escrito entre 1881 e 1882, ainda é bem atual, porque as coisas hoje também estão de “ponta-cabeça”, principalmente em Brasília, local onde mais facilmente colhem-se exemplos de atitudes desequilibradas vistas com ar de normalidade.

O Paralelo entre Itaguaí e Brasília serviu para mostrar minha insatisfação com o atual sistema político, econômico e administrativo do país. Na ocasião, afirmei que “o Governo gasta mais de 7 bilhões com reforma de estádios para a Copa do Mundo, apesar de tantas outras prioridades e mesmo diante da grave seca que assola o nordeste. Enquanto o Estado investe bilhões em obras faraônicas, inclusive projetando trem bala ao custo de 30 bilhões de reais, o Judiciário, a saúde e a educação padecem à falta de investimento”

Coincidentemente, poucos dias depois da publicação do meu artigo, eclodiram-se no país inteiro os protestos que representaram indignação, desta feita de todo um povo contra o excessivo gasto com a Copa, os desmandos da administração, a corrupção, a crise econômica e política e a tentativa de mutilação indevida da Constituição Federal. Ao ver o povo nas ruas, “a maior arquibancada do Brasil”, meu sentimento foi de satisfação, de emoção, de brasilidade e de certeza plena das minhas convicções.

“O Gigante acordou”, e na hora certa, exatamente no momento em que pretendiam esfacelar a Constituição! Não fosse o povo nas ruas a PEC 37 teria sido aprovada, e o Ministério Público perderia o poder de fazer investigações criminais, o que de pior poderia acontecer.

A pressão popular foi sentida. E, como providências imediatas, ventilou-se, por parte do Governo, as hipóteses de importar médicos estrangeiros, realizar plebiscito para a convocação ou não de uma assembleia constituinte específica para a reforma política e, por último, realizar plebiscito popular direto para fazer a reforma política. Parece mesmo estar tudo de cabeça para baixo!

Ora, como amplamente já compartilhado de forma irônica nas redes sociais, “importar médicos para locais onde faltam leitos, hospitais, remédios e exames… é como querer resolver o problema da fome importando cozinheiros, num lugar onde não há comidas, nem panelas nem fogão…”

Também já está amplamente divulgado na imprensa que não há previsão legal de uma constituinte específica para tratar de um único tema (reforma política), a não ser, como defendem alguns juristas, que o Congresso Nacional aprovasse uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que previsse a convocação de constituinte para debater determinado tema, o que, convenhamos, seria algo a ser feito em longuínquo prazo e com resultado imprevisível, daí não atender aos anseios de urgente mudança, refletido nas ruas.

O Plebiscito, por sua vez, é consulta popular feita sobre uma determinada questão relevante, a ser, posteriormente, discutida pelo Congresso Nacional. Não se presta à finalidade de promoção da reforma política, eis que dita reforma é complexa, conjuntural, com variados assuntos a serem discutidos, além disso, demandaria tempo e muito gasto. Ou será que tem alguém interessado em jogar com o calendário?

Compartilho da opinião do Ministro do STF, Marco Aurélio Mello, segundo o qual, a proposta de plebiscito é desnecessária porque “a gente não precisa de um plebiscito para saber o que a sociedade quer”. O que ela quer já foi dito nas ruas, nos debates, nos artigos etc.

É simples saber o que o povo quer. Basta ouvir o clamor das ruas! Mas, como exemplo, aqui exponho algumas sugestões que poderiam ser adotadas com mais urgência, porque prescindem de plebiscito, assembleia constituinte ou algo igualmente burocrático: Fim do voto secreto na Câmara e no Senado; fim da aposentadoria especial para agentes políticos; vedação da eleição do cônjuge, no caso do(a) político(a) ser inelegível; a propagação dos efeitos da lei da ficha limpa, inclusive no âmbito dos Estados e municípios, proibindo-se a nomeação de pessoas com condenação colegiada na Justiça para secretariado, diretoria de empresas públicas, órgãos da administração indireta, não só no primeiro escalão, mas nas subsecretarias, diretorias de estatais, fundações e sociedades de economia mista; fim do calote dos precatórios etc.

Somem-se a estas sugestões outras cinco que a OAB e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE junto com outras diversas entidades da sociedade civil lançaram num ato público no último dia 24 de junho de 2013, quais sejam: financiamento democrático de campanha, o voto transparente e a liberdade de expressão na internet; 10% do orçamento para o setor da saúde pública (Projeto Saúde+10); 10% do PIB Nacional destinado à educação; controle social dos gastos públicos e aplicação do Código de Defesa do Consumidor em favor dos usuários dos serviços públicos.

Todas estas mudanças prescindem de plebiscito e, logicamente, de assembleia nacional constituinte. Basta boa vontade política! O fato é que o gigante acordou e não vamos deixar que ele adormeça em berço esplêndido. Não se pode permitir que o tempo se propague em discussões estéreis voltadas para o desvio do tema central, que é a reforma política e imediata.