O GORDIM

 

Vitor de Athayde Couto

 

Outro dia precisei consertar um rádio. Fui ao troca-troca e perguntei quem podia trocar a minha fonte, de 110 pra 220. Aliás, a fonte 110 já tinha torrado, o Brasil é um dos poucos países do mundo que “trabalha” com duas voltagens e duas ciclagens. Isso aumenta o consumo de fontes, nobreaks, disjuntores, transformadores, tomadas de três pinos, adaptadores…

 

Apagões são bem-vindos para a indústria, comércio, locadoras de geradores, eletricistas, companhias de seguros etc. Isso é muito bom porque gera empregos. Quanto mais acidentes, melhor. Mais aumenta o número de empregos de paramédicos, bombeiros, motoristas de ambulâncias, instrutores de “cursinhos rápidos de técnicas de bioimagem para doutores desatualizados nas redes”, enfermeiros, fisioterapeutas, laboratoristas, planos, funerárias, igrejas, coveiros, floristas, médiuns, pais de santo, enfim, toda a cadeia produtiva da saúde e da morte. O resultado é um maior crescimento do PIB (desenvolvimento, em parnasianês).

 

Aff, já estou na enésima história, preciso voltar à segunda história dentro da primeira. Então, daí alguém apontou para uma portinha bem estreita, e disse:

 

– Vai lá e pergunte pelo Gordim, vá, ele conserta o teu rádio, na hora. – Caro leitor, não se assuste com essa confusão de “tu” com “você”. Até os gramáticos já desistiram.

 

Agradeci, fui até a portinha, sempre me perguntando: como é que um gordinho passa por uma porta estreita daquelas? Espiei lá dentro. O ambiente estava escuro, esfumaçado, com cheiro de cinzeiro usado. Mas deu pra perceber um carinha bem pequeno e magricela, pele e osso, com um eterno cigarro aceso entre os dedos amarelados da mão esquerda, sentado num tamborete de tiras de couro de boi, trançadas, brilhantes e bem polidas móde os fundos das calças dos interlocutores aposentados e eternamente desocupados. Perguntei com forte sotaque e estilo parnasianos:

 

– Ei, tu conhece aqui uma pessoa que conserta rádio, por nome Gordim?

 

Tirando lentamente da boca o que ainda restava do cigarro (havia mais cinza do que outra coisa), o magrelo prontamente respondeu:

 

– Quem? O Gordim? O Gordim é… é sou eu!

 

Gordim ou magrelo, o certo é que o problema foi resolvido com perfeição. Com um detalhe: a cinza do cigarro não caiu no chão. Nunca vi tanto equilíbrio e tanta coordenação motora em toda minha vida.

 

(próxima crônica: “A MAIORIA DOS AUTORES”)

 

Os “Contos de Parnasia” já estão no site da Editora Autografia: https://www.autografia.com.br/produto/contos-de-parnasia/

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Escute o texto com a narração do próprio autor: