O OVO, CLARICE E A PATA
Vitor de Athayde Couto
– Não seria o ovo, Clarice e a galinha?
– Sim, seria, mas, coitadinha da pata, ninguém nunca se lembra dela. A pata também sente as dores do parto como todas as mães, bota o ovo com muito esforço, anuncia a sua chegada… e choca! Agora, por favor, não me fales de vãs filosofias.
– Oh, por favor, por favor, só esta vezinha, juro que será a última.
– Última o quê?
– Última vez que eu farei essa pergunta.
– Que pergunta?
– Aquela.
– Qual?
– Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?
– Aff… pergunta à Clarice.
– Clarice? Que Clarice?
– Aff… já vi que não lês nada.
– Ler? Pra quê? Todo dia tem lançamento de livro, ninguém aguenta mais de tanto encher o bucho. Quem mais gosta disso são os endocrinologistas.
– Por quê?
– Porque o povo está engordando de tanto comer salgadinhos. Cultura visceral, pura arte, a arte de encher o bucho. Agora, pera, lembrei quem é ela.
– Ela, quem?
– Clarice.
– Grrr…!!!
– Calma, visse? Clarice me disse que essa pergunta não faz nenhum sentido.
– Por quê?
– Porque o ovo é muito mais importante do que a galinha. Ovo e galinha não se bicam, não têm nada a ver um com a outra. A galinha só existe para que exista o ovo. Ela guarda o ovo, aquece o ovo. Ela é apenas um meio de transporte para o ovo. A galinha nunca foi reconhecida como a mãe do ovo, e nem se importa quando fazemos omeletes.
– Nem se importa? Desculpa, mas não acredito!
– O ovo é um filho ingrato, nunca aparece no Dia das Mães. Deixa as senhoras galinhas e patas, e todas as aves, tristes, esperando ao lado da mesa posta para o almoço festivo. A sua ingratidão ressurge em cada Domingo de Páscoa. É quando o ovo se fantasia de chocolate para não perder a festa. Mas as crianças se vingam e quebram o ovo em mil pedacinhos que dividem entre si, comem e se lambuzam de felicidade.
– Entendi. Andam até dizendo que avistaram várias galinhas chocas chocando chocolate. E chorando! – porque os ovos derreteram. Moral da história: quem quiser pinto que pise o milho e peneire o xerém (ouça aqui).
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