O TARIFAÇO
Vitor de Athayde Couto
Finalmente comprou a sonhada motocicleta. Agora Genilson acorda mais cedo. Orgulhoso e feliz, respira a brisa da manhã, dá bom dia à moto, a quem chama de Princesa. Limpa, manutenção em dia, Princesa tem um lugar de honra no barraco onde “dorme”. Alarme, cadeado nas grades, todo cuidado é pouco. Por segurança, o tanque de combustível “dorme” vazio. No banheiro minúsculo do barraco, Gene esconde um vasilhame com a gasolina do dia. Construiu até uma rampa para sua Princesa entrar em casa, pois a calçada é alta, por causa dos alagamentos das chuvas mais fortes e de um eterno esgoto a céu aberto.
Devido ao “tarifaço do trâmpi”, que Gene nem sabe o que é, a cooperativa onde trabalhava como estocador foi forçada a interromper as exportações de mel de abelhas. Segundo ouviu “na internet”, os americanos trocaram mel de florada natural da serra por um xarope industrial de milho transgênico.
Desempregado, só lhe restam dois planos A e B. O Plano A é o mais simples: devolver a moto recém-adquirida, e perder as três prestações já pagas. “Prefiro morrer do que me separar da minha Princesa. Ela me levava todo dia até o trabalho, na distante Casa do Mel da cooperativa. Mas se escolher o Plano B, sei que vou ter de me virar até pagar os 45 boletos mensais restantes.”
Vizinhos já começam a desconfiar que Gene está ficando louco. Um deles, mais amigável, aproxima-se e pergunta: “Gene, por que você não vai trabalhar como entregador de pizza? Você sabe, aqui, tudo termina em pizza mesmo. Pizza é o destino final de todo brasileiro. E com ketchup, haha.”
Gene levou a sério o que parecia brincadeira e se apresentou no fast-food. A cidade nem era tão grande, mas ele não tinha experiência em transitar pelas ruas movimentadas. Logo na primeira entrega, sob forte pressão para cumprir o horário apertado, desvia-se de um espelho retrovisor e cai arranhando o carrão de um marombeiro rico. Machucado, sem seguro e sem dinheiro para pagar o prejuízo, é rigorosamente espancado, conforme o costume local.
Acorda só no dia seguinte. Na enfermaria do hospital público, é abordado por um jovem estagiário que fazia uma sondagem sobre política, e lhe pergunta:
“Na sua opinião, quem é o culpado pelo tarifaço contra o Brasil?”
Como é gente boa, ele ainda tenta responder, só para agradar o estagiário:
“O culpado é…” – mas desmaia novamente.
Na semana seguinte, ao deixar o hospital, dirige-se à portaria, pergunta pela Princesa e recebe o seguinte bilhete, deixado pelo advogado de um pastor:
“Amado irmão, glória a Deus! Recuperamos sua moto. Aguardamos você na Igreja da Prosperidade. Venha no horário do culto, em nome de Jesus!”
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O Tarifaço - Por Vitor de Athayde Couto