Temer, na convenção do partido, que já trazia a sigla "MDB"
Temer, na convenção do partido, que já trazia a sigla “MDB”

O PMDB não quer mais ser o PMDB. Ao menos no nome. Com a imagem abalada pelos escândalos de corrupção, o fisiologismo escancarado e a adoção de medidas impopulares com a chegada de Michel Temer ao poder, o partido decidiu fazer o que os marqueteiros chamam de rebranding —uma mudança de nome para tentar assumir, aos olhos do público, uma nova identidade. Para isso, escolheu adotar a sua sigla original, MDB (Movimento Democrático Brasileiro), legenda que carrega um enorme peso histórico para a esquerda: o de ter sido a oposição à ditadura militar e de ter aglutinado os interesses dos movimentos sociais e sindicais que faziam resistência ao regime.

Na convenção que marcou a mudança de nome na manhã desta terça-feira, o senador Romero Jucá, presidente nacional do partido e denunciado pela Lava Jato, afirmou que a medida tinha o objetivo de recuperar o nome original e, com isso, ter causas claras para a sigla. Junto à nova nomenclatura, o PMDB também mudará seu programa partidário em março do ano quem vem, preparando o terreno para as eleições de 2018, em que pretende garantir a existência de um candidato governista que defenda o legado de Temer, seja por meio de uma sigla aliada ou até de uma candidatura própria —segundo Jucá em uma entrevista publicada pela Folha de S. Paulo na última segunda, o nome de Temer não está descartado, ainda que seja um cenário difícil de imaginar devido à baixa popularidade dele. O partido, que tem a maior bancada da Câmara dos Deputados, também tenta recuperar sua imagem de olho nas eleições legislativas, temendo que muitos de seus deputados não se elejam.

Para o cientista político Bolívar Lamounier, que já na década de 1980 fazia pesquisas sobre o MDB, a estratégia é “um truque eleitoral”. “Não vai alterar em nada a essência do partido, de um partido clientelista, fisiológico e totalmente corrupto. Ele não tem a menor condição de se tornar um partido progressista, social. É uma tentativa de ganhar terreno eleitoral, fazendo de conta que é a continuidade do velho MDB. Mas não tem nada a ver uma coisa com a outra. O MDB era uma frente de oposição ao regime militar. Hoje o PMDB é um partido clientelista, não tem mais substância alguma”, destaca.

Após a convenção, Jucá foi questionado pelo EL PAÍS sobre a estratégia de mudança de nome e negou que ela tenha o intuito de fazer com que os eleitores não associem o partido aos problemas da legenda com a Justiça. “Nós não estamos mudando de nome. Estamos tirando apenas um ‘P’ que foi colocado pela ditadura e mantendo a mesma sigla da fundação. Portanto, não há nenhum tipo de ação para esconder qualquer coisa. Vamos responder a todas as ações [na Justiça] e cada um é responsável individualmente por aquilo que tenha feito de forma equivocada. O partido não tem nada a ver com isso e vai disputar as eleições de cabeça erguida”, ressaltou ele, que acrescentou esperar que os eleitores associem o MDB àquilo que o presidente Michel Temer tem feito na área econômica. “Nós pegamos um país quebrado, em recessão, e estamos entregando um país recuperado, gerando empregos, com a inflação controlada e a taxa de juros mais baixa da história”, destacou.

O que foi o MDB?

Movimento Democrático Brasileiro foi criado em março de 1966 para ser uma espécie de oposição branda à ditadura e, assim, dar alguma legitimidade ao Governo militar, explica a cientista política Maria Victória Benevides, em um artigo publicado em 1986 intitulado “Ai que saudade do MDB”. O objetivo era criar a imagem de que havia espaço na sociedade para posições contraditórias ao regime. O movimento era uma reunião de partidos que foram extintos pelo Ato Institucional número 2 (AI-2), especialmente o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), que tinha entre seus nomes o presidente deposto João Goulart e Leonel Brizola. Também reunia movimentos socialistas e progressistas. “Era uma oposição tolerada contra a ditadura, mas que fazia frente à repressão militar”, explica Benevides no artigo. Com o tempo, a legenda acabou se tornando um símbolo da resistência.

“Durante o Governo militar o bipartidarismo era obrigatório. E só era permitido um partido de oposição. Por isso, a sigla reuniu todas as tendências de oposição”, explica Lamounier. “O MDB, então, cresceu rapidamente e veio a ser percebido pelos eleitores, principalmente os mais pobres, como o partido que estava ao lado dos pobres e contra o Governo. Não é que tivesse uma política que favorecesse os pobres, porque ele não podia fazer nada de concreto, mas a sigla ganhou essa conotação e, com isso, se tornou eleitoralmente muito forte”, destaca ele.

Entre as bandeiras da legenda na época estavam, justamente, o combate à corrupção. Além da denúncia às violações de direitos humanos e o pedido de eleições diretas. “O MDB era mais do que um partido político. Era, mesmo, um movimento, uma bandeira de luta. E de oposição consentida se torna o partido da sociedade civil”, destacou Benevides em seu artigo de 1986.

No final dos anos 1970, o MDB participou ativamente das mobilizações dos movimentos sociais e populares. Especialmente das grandes greves dos metalúrgicos do ABC, que lançaram Luiz Inácio Lula da Silva à liderança política que décadas depois o levou à Presidência. Para marcar um ponto específico de diferença entre o MDB de antes e o de agora, vale ressaltar que o PMDB acaba de encabeçar uma polêmica reforma trabalhista, denunciada pelos sindicatos como um retrocesso aos direitos dos trabalhadores.

A lei 6767 de 1979, que reformou os partidos políticos ainda na ditadura, acabou por extinguir o MDB, assim como seu opositor (e apoiador dos militares) Arena. Nenhum partido mais poderia ter um formado de organização e, com isso, foi necessário adotar o “P” inicial, de “partido”. O PMDB foi, então, criado sob a presidência de Ulysses Guimarães, que defendia a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, com um programa feito por cientistas políticos como Fernando Henrique Cardoso (FHC). Aos poucos, foi perdendo seus apoios mais proeminentes, especialmente com a criação do PT (em 1980), que levou o apoio de grande parte dos movimentos sociais de esquerda. E, posteriormente, a do PSDB (em 1988), após um racha em que o PMDB acabou acusado de “clientelista e fisiologista” por FHC, então líder peemedebista no Senado.

Fonte: El País