SIRVA-SE EM SILÊNCIO

 

Vitor de Athayde Couto

 

– Lembra, miga? – perguntou Mani.

 

– O quê? – quis saber Anaïs.

 

– Aquele professor que cospe todo mundo quando dá aula. Ninguém quer ficar nas carteiras da frente.

 

– Haha, é verdade. Ele faz chover! Quem nunca teve um professor assim?

 

– Se você chega atrasado à aula só acha lugar na primeira fila. Mas Fernandão, que é grande e muito truculento, manda o Paulim sair lá de trás e sentar na frente. Aí ele toma o lugar do Paulim, que, de tão pequeno, pega o ar e grita: “Pô, mano! Hoje eu não trouxe o meu guarda-chuva!”

 

Em Parnasia, ninguém usa guarda-chuva. Primeiro, porque lá quase nunca chove. Segundo, porque adolescente tem vergonha de usar guarda-chuva.

 

– Sim, até de carregar embrulho, haha! Prefere se molhar na garoa de cuspe.

 

– Perdigotos, miga. E estão na moda. Como a moda é o velho esquecido, as teses do bacteriologista alemão, Carl Flügge (1847-1923), voltaram a toda. Por volta dos anos 70 do século XIX, ele resolveu estudar o fenômeno das chuvas de boca. Primeiro, descobriu que a quantidade de perdigotos aumenta quando as pessoas falam alto. Pior ainda, quando gritam. Descobriu também que essas gotículas podem transmitir doenças, principalmente tuberculose – muito comum na sua época. E o bicho pegava quando as pessoas ficavam muito próximas umas das outras. Em sua homenagem, a comunidade científica deu aos perdigotos transmissores o nome de “gotículas de Flügge”.

 

– Nossa! Agora eu entendo o cartaz daquele restaurante self-service perto da faculdade: “SIRVA-SE EM SILÊNCIO”, haha. E ninguém obedece. Todo mundo fala, à medida que vai se servindo. Principalmente nomes de comida que começam com éfe: feijão, fígado, farofa…

 

– Pois é, miga, 150 anos depois, parte da humanidade ainda professa ideologias alquimistas e continua negando essa importante descoberta que salvou muitas vidas. Pouco tempo antes, o francês Louis Pasteur (1822-1895), fundador da Química, já tinha revelado a existência de microorganismos que ninguém conseguia ver. Como ele “viu”, quase foi queimado na fogueira.

 

– Por quê? Ele era comunista?

 

– Certamente, pois só trabalhava armado.

 

– Sério?!!!

 

– Armado de microscópio e conhecimento. Na segunda metade do século XIX, o alemão Robert Koch (1843-1910) já recomendava o distanciamento social e até internações nas “montanhas mágicas”, na tentativa de salvar as pessoas de doenças mortais como a tuberculose. Os “bacilos de Koch” não escolhiam vítimas. Foi assim que a humanidade perdeu precocemente gênios do porte de Frédéric Chopin, aos 39 anos; Franz Kafka, aos 40; George Orwell, aos 46; Simón Bolívar, aos 47; Noel Rosa, aos 26; Castro Alves, aos 24; Casimiro de Abreu, aos 21… Acrescente-se ainda Mozart, que morreu aos 35 anos, vítima de uma infecção mal esclarecida, que teria começado pela garganta.

 

– Eita! Fico imaginando o que esses gênios da humanidade não teriam feito com mais uns dez aninhos de vida…

 

– Pois é. Nossos adolescentes estão certíssimos quando evitam aglomerações ou sentar na primeira fila.

 

– Verdade, até trocaram guarda-chuvas por máscaras, glória a Deus! Amém?

 

– Amém!

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Escute o texto com a narração do próprio autor: