TRIÂNGULO MINEIRO

 

Vitor de Athayde Couto

 

No porão da Basílica Menor de Nossa Senhora do Pilar, em Ouro Preto, o casal de ratinhos tinha acabado de trocar as alianças de noivado. Em seguida os noivos, Dongo e Calunga, foram até o bueiro namorar na base do eu, você e a luz do luar. Num desses intervalos, entre beijos e suspiros, Dongo afastou-se pra pitar um cigarro de páia de mi.

Do bueiro ao lado, Ratilda, que na adolescência tinha sido muito apaixonada pelo Dongo, veio vindo, sorrateiramente, como concerne aos ratos. Mas, infelizmente pra esta história sem tragédia, Ratilda tornou-se grande amiga de Calunga, a noiva, de quem se aproximou e confessou, de rata pra rata, olhando bem nos olhos uma da outra:

– Calunga, tu tens muita sorte.

– Por quê, miga?

– Donguinho, teu noivo, é muito romântico – ponderou Ratilda.

– Tu achas? Mas, me diz, baseada em quê? – Calunga quis saber.

– Não vês? Donguinho está todo catita, completamente apaixonado por ti. Ele olha fixamente pra Lua, enquanto te abraça com todo carinho.

– Que nada, miga, os homens são todos iguais. Os ratos, também. Não é nada do que estás pensando.

– Não entendi, miga.

– Ora, fácil. Como tu sabes, Donguinho é mineiro.

– Sim, ele é completamente diferente de nós, cariocas, que viemos na carona de um bitrem carregado de deliciosos amendoins torradinhos, mas… e daí?

– Daí que, por mais que eu o contradiga, ele pensa que a Lua é feita de queijo, haha.

– Sim, todo mundo conhece a neura mineira por queijo. Isso até explica por que os mineiros de Ouro Preto gostam de serestas e promovem muitos festivais nas noites de violas enluaradas. Todos os meses, quando a Lua se aproxima de Minas Gerais, os mineiros-raiz ficam muito excitados. Uivando serestas ao luar, seus dentes caninos crescem, preparando-se para morder a Lua. Embora sejam católicos, sentem muita inveja de São Jorge, que vive cercado de queijos, e torcem pelo dragão.

– Verdade, miga. Com tanta cachaça boa, os mineiros ficam muito excitados quando cantam. Eu mesma ouvi um bêbado ouro-pretano que cantava assim:

“Tu pisavas nos queijos, distraída

Sem saber que a ventura desta vida

É a cabrocha, o luar e o requeijãããooo!”

– Haha, e ainda escutam o cantar alegre de um viveiro… Mas isso é politicamente incorreto! Como é que passarinho preso canta alegre no viveiro? Pra não falar do aquecimento global. E o barracão de zinco? Com esse calor? Aff…

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