Até quando um ser humano pode suportar o peso da existência?
Antes mesmo que você, leitor, comece a refletir sobre essa complicada questão, me permita contar a história de Francisco de Assis Lemos, hoje conhecido como Guerreiro.
Nascido na cidade de Altos, Piauí, em nove de maio de 1954, filho de José Luiz Lemos e Cândida Viana Lemos, Guerreiro, ao me relatar seu passado, contou como foi sua infância: “Eu era criança de seis para sete anos e já ajudava meu pai na roça, o trabalho era duro e sobrava pouco tempo para descanso”. Porém, lembra que havia também momentos felizes: “Nossa família era unida e sempre havia brincadeiras, até no caminho e na volta da roça, sempre conversávamos e nos divertíamos” (sic).
Quando nem havia completado oito anos, Guerreiro despertou a atenção de alguns conhecidos ao desenhar com habilidade, figuras e paisagens no chão, não utilizando um lápis ou pincel, mas pedaços de carvão. Fato que acabou resultando numa proposta por parte de alguns parentes de levá-lo à Teresina, para que lá pudesse aprimorar sua arte, assim como exibi-la para um maior contingente de pessoas. E eis que era a década de 60 e Guerreiro chegando à capital do estado, logo arrumou o que, para ele, foi: “um trampo para ilustrar numa coluna de um jornal conhecido da época” (sic). Durante um bom tempo a “nova vida” em Teresina transcorreu com certa tranquilidade, até Guerreiro se deparar pelo caminho com algumas “puxadas de tapete”: “Trabalhei durante uns meses, em fase experimental, num jornal de destaque, fazia charges e caricaturas, mas chegou um momento que não deu mais certo e tive que sair do jornal (…) Passei a desenhar rostos de pessoas à domicilio”. Jovem e ainda um tanto inexperiente perante as malícias do meio publicitário e jornalístico, acabou perdendo o emprego no jornal e se viu tendo que encarar de frente o selvagem mundo da concorrência: “Expus meus desenhos no Teatro 4 de Setembro algumas vezes, e participei de concursos e festivais de humor, mas haviam pessoas com mais experiência e ´amizades` do que eu, o que não ajudou muito, pois estava numa cidade que não era a minha e onde eu tinha poucos conhecidos, mas sempre toquei o barco pra frente e fui lutando com o suor do rosto” .
Durante décadas, Guerreiro aprimorou sua habilidade e amadureceu bastante, passando até a adotar diferentes estilos. Porém, como “nem tudo eram flores”, à medida que crescia artisticamente, recebia proporcionalmente diversas “pancadas da vida”, primeiramente com “diversas dificuldades financeiras e sentimentais pelos quais passava durante a época”, e depois com a morte dos pais, fatos que lhe causaram bastante melancolia; acontecimentos que, diversas vezes, quase o levaram à loucura, se não fosse tudo que havia aprendido no decorrer de sua trajetória de altos e baixos, como sobrevivente da árdua batalha da vida.
Na última década, depois de idas e vindas, à Teresina e Altos, como também excursões pelo interior do Piauí e algumas cidades do Nordeste, Guerreiro muda-se para Parnaíba, cidade pela qual ele mesmo comenta: “tenho um apreço muito grande, pois foi uma cidade que me acolheu e que já a tenho em meu coração”. Boêmio assumido, mas “na medida saudável”, sempre simpático com todos “não importando classe social, sexo ou cor” e deveras preocupado com os problemas que assolam o Piauí, Guerreiro busca retratar em seus trabalhos as várias percepções de seu olhar como artista sensível, desenhando desde laços de amizade, como bem exemplifica o mural existente na lanchonete situada abaixo da Casa Grande de Simplício Dias, ou então aspectos sociais e políticos de nossa terra, acrescentaria ainda a representação de ídolos que povoaram sua mente durante muitos anos, como é o caso do cantor Roberto Carlos, do qual Guerreiro devota bastante admiração: “Sou fã de vários cantores, desde Raul Seixas a Ivete Sangalo, mas o meu preferido é o Rei!”, revelou ao mesmo tempo em que mostrou em sua pasta, recheada de rostos eternizados no papel, a imagem do cantor e ídolo.
Destemido e incansável, busca a cada dia conquistar seu espaço, demonstrando seu talento de forma humilde, honesta e cativante, ultrapassando barreiras, vencendo medos e resistindo aos desafios do tempo, sem nunca desistir e, principalmente, sabendo viver intensamente todas as experiências que o mundo lhe oferece; e isto nos conduz novamente à pergunta do início: Até quando um ser humano pode suportar o peso da própria existência? Acredito que, através da história de Guerreiro seja possível começarmos a perceber que caminhos, cada um de nós pode traçar, a fim de que, um dia, encontremos nossas respostas.
Claucio Ciarlini (2009)