A MISSÃO
Vitor de Athayde Couto
– E a missão? – perguntou Loréu.
– A missão seguiu uma velha Lei de Lavoisier adaptada: “No mercado, nada se perde, tudo se transforma”. Não resta dúvida. Os empresários são os maiores cumpridores da lei.
– Lei adaptada, né?
– Sim, adaptada, mas existe uma forma elegante pra dizer isso.
– Qual? – perguntou Loréu, sempre curioso quando não está bêbado.
– Em vez de adaptada, os empresários preferem dizer “conforme a leitura ou a interpretação de cada um”.
Voltando ao tema, Marinalva começou seu relato assim:
– Dona Volúsia…
– Venúsia.
– Sim, Venúsia.
– Dona Venúsia, dobre a língua.
– Desculpe. Dona Venúsia – prosseguiu Marinalva já começando a ficar insegura e nervosa – a minha visão, quer dizer, a minha missão… não, como é mesmo… a minha função como empregada… empregada, não… colaboradora na churrascaria Lavuasiê era cuidar do cemitério…
– O quê?! Você é cozinheira ou coveira? – retrucou Dona Venúsia.
– O cemitério, Dona Venúsia. É assim que os chefs, os maîtres, sei lá o quê… os someliês e os gurmês chamam aquele prato de “cemitério”.
– Pois você me respeite!
– Calma, Dona Venúsia. Cemitério não é cemitério. É só o nome do prato com restos das carnes duras e pelancas que os clientes não conseguem comer. Sabe? São aquelas carnes de segunda que o patrão manda servir primeiro. Só depois que os clientes enchem o bucho e ficam bem amansados é que os gaudérios servem a picanha. Mas se o cliente comprar um vinho caro será brindado com uma rodada de picanha nobre.
– Nobre? Você disse nobre?
– Sim, Dona Venúsia, nobre. É assim que eles chamam.
– Anh… E o cemitério?
– Pois é. A minha função era recolher o cemitério de cada mesa, quer dizer, os restos, para serem picados e usados em seis pratos muito apreciados e que têm muita saída. O pessoal dá o maior valor.
– E quais são esses pratos, Marinalva?
– Escondidinho, feijão tropeiro, maria isabel, arroz de carreteiro e roupa velha. As pelancas mais duras são reservadas pra fazer paçoca, carro-chefe da casa.
– Nossa Senhora que me defenda – arrematou Dona Venúsia, já dispensando a pobre Marinalva.
Mas a pobre Marinalva não foi pra rua da amargura. Como era ano eleitoral, ela encontrou uma solução política junto ao cabo eleitoral do vereador do seu bairro. Ganhou uma bolsa de cem reais e fez um curso de empreendedorismo focado nos cemitérios das churrascarias de rodízio. Marinalva só foi demitida da “Churrascaria Lavoisier” porque não sabia separar as carnes descartadas dos pedaços mastigados. Afinal, Doutor Fulano é um empresário muito sério e gaudério, temente a Deus, e não admite o reuso de carnes mastigadas. Nem pra ração de cachorro, eu disse amém?
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