BEM-VINDOS AO COMUNISMO

 

Vitor de Athayde Couto

Sabe aquele vizinho que disse que eu fui colonizado pelos franceses? Pois ele continua me provocando. Em meio a um grupo de pessoas, perguntou em voz alta, para me emparedar:

– Você é comunista?

Perguntei se o vizinho havia lido a minha crônica “Cumunirmo”, mas ele fez cara de quem não lê nem bula de remédio. Tentei explicar que o cumunirmo é um jumento imrriba de uma jumenta etc., do jeito que está na crônica, mas ele não entendeu e continuou insistindo na pergunta:

– Você é comunista?

Resolvi responder. Disse-lhe que há muito tempo tentei ser comunista, mas tive um problema.

– Qual? – o vizinho perguntou.

– É que não gostei do sabor da carne humana, mais especificamente da carne de criancinhas, no café da manhã.

– O quê?!

– Sabia não? Pois fique sabendo, comunista come criancinhas no café da manhã.

Haha, só vendo a cara que ele fez. Aproveitei para especular sobre uma suposta entrevista que o genial Heitor Villa Lobos teria concedido à imprensa francesa, logo após a fantástica apresentação das Bachianas Brasileiras n.4, na Ópera Garnier, com direito a uma ária nasalizada, quando a diva cantou comme il faut, ou seja, de boca fechada.

Um jornalista, provavelmente a serviço do diário Le Figaro, queria saber se no Brasil ainda se comia carne humana.

Depois de ter sido aplaudido de pé, por vários minutos, o compositor respondeu em bom francês:

– Sim, bien sûr.

– Mas, me diga, o senhor já comeu carne humana? – insistiu o repórter.

– Sim, mas só uma vez. Achei a carne muito doce e não gostei, não quis mais saber.

Resposta de gênio. Como não chego nem perto de tamanho talento, limito-me a admirar Villa Lobos e gravar na memória a histórica entrevista que talvez nem sequer tenha acontecido.

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Ouça o texto com a narração do próprio autor: