DESINAUGURAÇÃO

 

Vitor de Athayde Couto

Uma vez em cada década aquela obra era inaugurada pelos políticos e seus respectivos papagaios-de-pirata. Com a mesma charangada e foguetes, a mesmíssima obra também era reinaugurada pela geração seguinte de políticos e papagaios.

Todavia, permanece a mesma pergunta. Por que os políticos nunca aparecem no dia da desinauguração? Não se sabe se de vergonha ou se eles estão aprontando mais um projeto milionário para as próximas décadas, quando seus filhos, netos ou suas rainhas consortes cortarão mais uma fita verde-amarela-de-orleans-e-bragança, para manter a linhagem real no poder.

Com sua curta memória, o povo já não sabe se a obra é um porto marítimo ou uma marina para lanchas milionárias.

Se é um aeroporto internacional ou um campo de pouso para jatinhos particulares.

Se é uma academia de polícia ou mais uma loucademia cívico-militar ocupando a indispensável infraestrutura de alguma escola pública.

Se é uma sub-sede da Copa do Mundo ou mais uma pousada para burocratas do governo.

Se são bares e restaurantes com uma vista “deslumbrante” ou se são apenas esqueletos de fantasmas.

Se é o transporte ferroviário chegando, ou mais um ferrorama para servir de brinquedinho a quem lida com verba pública ou de uso coletivo.

Finalmente o povo irá realizar o velho sonho. Soldados, carpinteiros, seresteiros, vagabundos, cozinheiras e babás resolveram fazer turismo, viajando de avião. Quando só faltava pagar a décima prestação, os seus voos foram cancelados sem aviso prévio. Finalmente, não mais que finalmente, perceberam que são cidadãos de segunda classe, enquanto comentavam no saguão do aeroporto:

– Isso só pode ser treta de político.

– Sim, negócio é uma coisa, política é outra.

– E nem precisa ser economista.

– Pra quê?

– Basta ter bom senso.

– Pra quê?

– Pra perceber que um avião com 132 lugares não é viável quando embarcam apenas 7 (sete) passageiros.

– E quem é soldado, carpinteiro, seresteiro, vagabundo…?

– Ora, só pode ser o palhaço… quer dizer… o povo (ouça aqui).

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