A Constituição Federal de 1988, segundo o seu preâmbulo, foi promulgada “para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”.

Dentre os direitos sociais assegurados constitucionalmente, destaca-se a educação, conforme consta do artigo 6º da Carta Magna, in verbis: “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

O artigo 205 da CF/88 também é taxativo ao reconhecer a educação como direito de todos. O único problema é que embora seja garantido constitucionalmente, o direito educacional ainda é visto de forma conservadora e estudado sob o ponto de vista meramente pedagógico, tanto que não é ensinado nas faculdades como uma disciplina autônoma, nem analisado juridicamente sob o ponto de vista doutrinário e jurisprudencial, salvo raríssimas exceções.

Como o objetivo desta coluna é discutir temas jurídicos atuais, e verificando que neste mês de Fevereiro, na grande maioria das escolas e faculdades, iniciam-se as aulas, decidi demonstrar o posicionamento majoritário da jurisprudência a respeito de alguns temas decorrentes da relação aluno x instituição de ensino, o que pode contribuir para o debate em torno do assunto.

Indeferimento de Matrícula em faculdade x Competência

Os TRFs da 1ª e 3ª Região, no julgamento dos processos AC 0004183-92.2009.4.01.3602 e RN 2011.61.13.000669-4/SP, respectivamente, decidiram que a Justiça Federal é competente para julgar mandado de segurança contra o indeferimento de matrícula em instituição de nível superior, por tratar-se de ato realizado no exercício de função pública delegada da União. O STJ também confirmou esse entendimento no julgamento do REsp. 725.955 e em diversos outros julgados. 

Renovação de Matrícula x Inadimplência

Ainda no julgamento do Resp. 725.955, embora reconhecendo a legitimidade da exigência do pagamento da prestação de serviços educacionais, diante da onerosidade do contrato, contudo o STJ considerou que “o atraso no pagamento não autoriza aplicarem-se ao aluno sanções que se consubstanciem em descumprimento do contrato por parte da entidade de ensino (art. 5º da Lei 9.870/99), mas a entidade está autorizada a não renovar a matrícula se o atraso é superior a noventa dias, mesmo que seja de uma mensalidade apenas”.

Enfim, não há ilegalidade no indeferimento pela faculdade do pedido de renovação de matrícula se o aluno estiver em débito por mais de noventa dias, no entanto “a existência de débito relativo ao curso freqüentado anteriormente na mesma instituição de ensino superior não constitui motivo legítimo para o indeferimento da matrícula de aluno, regularmente aprovado em novo concurso vestibular, por se tratar de relação contratual diversa, sem débitos até então”. (TRF 3ª R. – RN 2010.61.05.015843-6/SP – 4ª T. – Relª Desª Fed. Marli Ferreira – DJe 19.01.2012 – p. 515)

Sanções administrativas/pedagógicas x Inadimplência

O artigo 6º da Lei 9870/99 estabelece que “são proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os artigos 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias”.

Esta lei 9870, datada de 1999, faz remissão ao artigo 1092 do Código Civil de 1916, o qual teve sua redação quase que mantida no Código Civil de 2002, daí ainda hoje aplicar-se a regra disposta no artigo 6º retro transcrito.

Enfim, após a matrícula, a escola não pode suspender prova, nem aplicar qualquer outra medida punitiva pedagógica ou administrativa, nem mesmo reter documentos. Nesse sentido, assim decidiu o TRF da 5ª Região, no julgamento do REO-MS 92.572/CE: “é vedada a aplicação de quaisquer sanções pedagógicas aos alunos por motivo de inadimplência junto às instituições de ensino, inclusive a retenção de documentos escolares, de que é exemplo a primeira via do diploma – art. 6º da Lei nº 9.870/1999”.

Legitimidade do Ministério Público

Segundo Súmula 643 do STF, “o Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública cujo fundamento seja a ilegalidade de reajuste de mensalidades escolares”.

Estágio

117000031365 – RECURSO ORDINÁRIO – RELAÇÃO JURÍDICA DE ESTÁGIO – INCONFIGURADA – O contrato de estágio, regulado inicialmente pela Lei 6.494/77, revogada pela Lei 11.788/2008, está excluído da tutela do Direito do Trabalho, desde que observados os formalismos específicos, considerando o objetivo é o aprimoramento do processo de aprendizagem do aluno. Trata-se de uma relação triangular, envolvendo Escola, Empresa e o aluno, sendo que a ausência de qualquer desses componentes descaracterizam a relação, deixando antever um vínculo de emprego, como na hipótese. Inteligência do art. 3º, da Lei nº 11.788/2008. Recurso patronal a que se nega provimento. (TRT 06ª R. – RO 0000381-54.2010.5.06.0102 – 1ª T. – Relª Desª Dinah Figueirêdo Bernardo – DJe 01.08.2011 – p. 51).

Pagamento x contraprestação em horas aulas

A Quarta Turma do STJ, no julgamento do REsp. 895.480 decidiu que “celebrado contrato de prestação de serviços entre a universidade e os recorrentes, e não tendo sido ministrado o número de créditos avençados, deve esta restituir o que recebeu a maior, indevidamente, sob pena de enriquecimento ilícito”. Nesta mesma decisão foi citado como precedente o julgamento do REsp 893.648, do qual consta da ementa: “De acordo com as provas juntadas aos autos, a recorrida recebeu, de cada recorrente, 24 créditos de aulas-hora a mais do que efetivamente ministrou aos alunos, devendo restituir tais valores”.