IMAGINE SE NEVASSE!
Vitor de Athayde Couto
Caí na besteira de me matricular num desses cursos anunciados em outdoors. “Melhor curso do Brasil!!! Nível A no MEC!!! Maior número de aprovados em concursos!!! Bolsas integrais!!! Participação garantida em campeonatos de botão, robótica, runas, tarô, olimpíadas de matemática, cuspe à distância, além de outros tantos quantos pontos de exclamação.
Primeiro dia de aula, muita emoção: o professor não veio. Oitavo dia: o professor não veio. Duas semanas depois: o professor não veio. Depois de ouvir a velha e repetida enrolação da “coordenação”, histórias mal contadas e fakes a rodo, só me resta uma alternativa.
– O quê? – pergunta meu novo amigo e colega de turma.
– A praça de alimentação. Bora?
Do lado de fora da “faucudade” uma ruma de miseráveis tenta vender coisas. Sim, coisas. Não há outro nome. Comidas? Comidas em panelas, embalagens de isopor reaproveitadas, garrafas pet idem e tudo aquilo que nem deus sabe o que tem dentro.
Carrocinhas empurradas a mão, bicicletas com reboque, motos idem, e até automóveis da última geração dos anos setenta compõem o verdadeiro retrato do Brasil atual. Um corcel cor de mel e uma brasília amarela revelam a desigualdade social que produz outra profunda desigualdade: a desigualdade nutricional. As coisas vão de churros fritos em óleo de soja transgênica “reciclado”, até creme de galinha com creme de leite composto conservado no calor do Sol. Tudo isso empurrado com pitchula estupidamente.
Sentados em tamboretes ou diretamente sobre o capim coberto de farelos de comida, os estudantes conversam, felizes. Ninguém se importa com a falta de aulas, desde que a bolsa seja paga em dia.
Alguns felizardos alunos do curso de Letras já tiveram meia dúzia de umas três ou quatro aulas. Enquanto comem, trocam ideias a respeito do dever de casa (tarefa, em parnasianês). Cada um tem de escrever e apresentar oralmente uma poesia. Com muita ênfase. Afinal, vivemos na cidade que ostenta a maior densidade vategráfica do Brasil.
Um letrando escreve num caderno apoiado sobre uma mochila. Para conseguir inspiração poética, olha a paisagem em volta e começa assim: “A tarde caía / As baratas pulavam de galho em galho / E os gafanhotos, tremendo de medo, imitavam o verde das folhas com medo dos sapos…”
Nesse ponto interrompe-se a poesia porque um grupo numeroso discute qual a razão da ausência dos professores. No meio de tantas opiniões do tipo “ainda não assinaram o contrato”, “ainda não receberam nenhum pagamento” etc. Finalmente predomina a seguinte razão: “estamos no ‘inverno’, é tempo de chuva e os professores ainda não aprenderam a nadar.” Eis que outro letrando exclama: “Inverno? Chuva? Imagine se nevasse!”.
CONVITE:
Hoje, 24/06/2022, logo mais às 19 horas, no Teatro Saraiva, Parnaíba, Av. Nossa Sra. de Fátima, 219, estaremos à disposição para autografar nossos livros “Poesias e crônicas”, “Contos de Parnasia” e “Textos em fatos e fotos”. Contamos com a sua presença. Os autores: Paulo Couto, e Vitor Couto.
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Escute o texto com a narração do próprio autor: