MELHOR ESQUECER

 

Vitor de Athayde Couto

 

DESIGNER DE UNHAS

A nail designer colou unhas artificiais bem longas nos dedos da cliente. Ela nunca mais pôde descolar o acrílico morto-vivo, pois já estava enraizado em suas mãos.

Na noite de Lua cheia olhou-se no espelho e não conseguiu mais ver seu corpo nem suas roupas. Viu apenas um ligeiro reflexo dos dentes caninos, crescidos e manchados de sangue.

POR FALAR EM REFORMAS

A caixa do supermercado aperta o número um, com direito a cinco minutos; ou, pra fazer o número dois, com direito a dez minutos. São pequenos intervalos enquanto espera mais uma reforma trabalhista e previdenciária, de iniciativa dos políticos que ela ajudou a eleger.

QUADRO TORTO

Tem gente que não suporta. Mas ela adora ver quadros tortos na parede – sinal de que a faxineira faz uma boa limpeza. Na véspera, a mesma faxineira havia feito uma boa limpeza na mesa do computador, que parou de funcionar. Mas ela não suporta.

CONVERSA DE COLONOS

Meu vizinho americanófilo vive dizendo que sou colonizado pelos franceses. Não satisfeito, ainda pergunta por que eu não gosto dos Estados Unidos. De fato, nunca estive lá. Juro que não tenho selfies com o Pateta, muito menos com ratos. Mas o que ele não sabe é que eu gosto da história dos Estados Unidos e do Canadá, principalmente da parte colonizada pelos franceses como Louisiana, Nova Orleans, Quebec… Por causa da língua? – ele perguntou. – Não, é por causa da música. Adoro suingue e zydeco – respondi. Meu vizinho deve achar que eu não sou uma pessoa de família. Pena que ele só conhece um significado para suingue. Já o zydeco vem de uma canção infantil alsaciana e… Bem, não adianta, é melhor esquecer.

COMENTÁRIO

Um leitor, que é professor universitário nos EUA, comentou o seguinte, a propósito da crônica “Não é lindo?”, publicada no dia 14/10/2022 (leia aqui):

“…palavras da religiosidade cristã como ‘martírio’ e ‘via sacra’ são compatíveis e muito bem empregadas para descrever o endeusamento – o uso e abuso da religiosidade tirânica e opressiva da tecnologia ocidental na medicina praticada no Brasil, nos EUA e no mundo.”

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Orça o texto com a narração do próprio autor: