O SILÊNCIO DA ZELITE
Vitor de Athayde Couto
“Negro é traficante.
Branco faz delivery de droga.”
(Djamila Ribeiro)
Dona Zelite é apenas uma abstração. No entanto ela existe. Não é concreta, mas é real. Está em toda parte. Parda-quase-branca e muito religiosa. Pensa que é branca e adora pecar. Tranquilamente, pois sabe que Deus perdoa. Sempre. E prossegue sonegando impostos e conspirando. Infiel, frequenta bons motéis e péssimas igrejas ahistóricas de ocasião, principalmente no dia da bênção dos empresários, quando bebe um copo “com água”. Vai dormir, sem ir ao banheiro, para não perder o líquido abençoado. De manhã, ao acordar, todos os seus problemas estarão resolvidos.
Ser elite não é necessariamente ser rica. Basta ser alguém que teve a oportunidade de se formar, subir em algum palanque, convencer eleitores, liderar redes, dizer algumas palavras em inglês, como influencer, por exemplo. Mas a nossa Zelite realça mesmo é pelo preconceito contra religiões históricas (inclusive de matriz africana), preconceito étnico, de cor, de gênero, de geração… ou de qualquer ideologia que não seja a sua.
Faz um mês, publiquei o artigo “Supremacistas pardos ou quase brancos?”, no endereço https://portalcostanorte.com/supremacistas-pardos-ou-quase-brancos/, na expectativa de que os parnaibanos também participassem do debate a respeito do fato internacional mais marcante de junho: o racismo estrutural. Fui até advertido por amigos, para não esperar, da publicação, mais do que o mesmo “silêncio ensurdecedor” de sempre. Ou, “se não der o que falar, terá sido pelo silêncio conivente, complacente e conveniente”.
Evoé! Deu o que falar, sim. Selecionei algumas reações que revelam um robusto sinal de vida dos parnaibanos leitores do portal:
– “Artigo oportuno e necessário. Uma porrada na história contada que não nos pertence. Obrigadíssimo pelo compartilhamento. A semente será disseminada.”
– “Bateu o prego e virou a ponta!”
– “Gostei do que escreveu.”
– “Que orgulho desse parnaibano.”
– “Muita admiração. Você escreve muito bem.”
– “Considero o texto excelente. Além de inédito nessa abordagem, levanta uma discussão que há muito já deveria ter sido começada. Os ‘santos’ têm os pés de barro. Parabéns ao autor.”
Como o tema preconceito é universal e continua sendo debatido, selecionei também outras reações, de não parnaibanos, por procedência.
De Fortaleza:
– “Longo e bom seu artigo. Gostei.”
Do Rio de Janeiro:
– “Excelente o artigo. Foi tema no Papo de Segunda. Inclusive Borba Gato.”
– “Muito bom. Vou repassar para algumas pessoas, tá?”
De Salvador:
– “Muito bem. Merece meus aplausos.”
– “Uau! Brocou!”
– “Muito oportuno.”
– “Parabéns! Excelente artigo. Merece ser publicado no UOL. Escreveu muitíssimo bem. Vou guardá-lo.”
– “Gostei, grande mestre! Um dos melhores professores que tive no Curso de Direito da UFBA, pela clareza didática e cultura.”
Os comentários acima são anônimos porque não pedi a devida autorização dos autores. Exceção se faz à comunicação de Jorge Vital de Brito Moreira, PhD em Spanish and Luso Brazilian Literature and Linguistics, pela University of Minnesota, U.S.A. Professor de Economia Política na UNAM (México) e de Cultural Studies (língua, literatura, cinema e música) nas universidades: University of California, San Diego, La Jolla; University of Minnesota (Minneapolis); University of Wisconsin (Oshkosh).
De Wisconsin, USA:
– “Depois de ler seu interessante artigo (que despertou lembranças das minhas vivências contra o racismo no Brasil, no México e nos EUA), decidi comunicar-lhe as minhas primeiras impressões ao ‘Supremacistas pardos ou quase brancos?’ postado no Portal Costa Norte, do Piauí.
No artigo você escreveu: ‘Não me lembro de ter visto estátuas de escravocratas em Parnaíba. Tampouco estou propondo a sua destruição, caso existam. Elas e outros símbolos devem ser retirados e ir para um museu, onde serão ressignificados a bem da verdade e da história.’
Ainda que eu não conheça o processo de monumentalização dos escravocratas de Parnaíba, ou de outras regiões do Brasil (salvo um pouco de Salvador-Bahia), como seguidor do poeta Castro Alves, eu estou fundamentalmente de acordo com a sua posição ética-política que manifesta que o único lugar onde as estátuas de escravocratas poderiam ter algum tipo de função educativa seria nos museus de história nacional onde deveriam ser ressignificados a partir de uma narrativa antropológica-histórica predominantemente contra hegemônica, isto é, uma história anticolonial, antiimperialista, anticapitalista, antisupremacista e antiracista.
Seu texto, ‘Supremacistas pardos ou quase brancos?’, também destacou alguns nomes que tiveram no passado uma importante função iluminista na minha formação intelectual-acadêmica: embora até hoje eu não tenha erguido nenhuma estátua deles, tenho monumentalizado (subjetiva e simbolicamente) a sua importância no decorrer da minha existência neste planeta. Entre os nomes mencionados encontrei dois franceses (Lévi-Strauss, Etienne Balibar) e um brasileiro (o antropólogo Darcy Ribeiro).
Não somente tenho tido o privilegio de ler alguns dos seus livros mais importantes como tive a honra de conhecer pessoalmente Balibar e Ribeiro, quando foram convidados pela Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) para ministrar cursos e conferências na cidade do México. Ainda hoje me lembro de alguns diálogos que (na qualidade de alunos) tivemos tanto com o professor Balibar (na Facultad de Economia da UNAM) como com o professor Darcy Ribeiro (quando o ouvíamos falar sobre a História do Pensamento Latinoamericano no Século XX).
Antes de terminar esta breve comunicação, ainda gostaria de lembrar que o professor inglês, Terry Eagleton, um dos mais notáveis críticos da cultura ocidental (e um dos mais brilhantes discípulos de Louis Althusser, Etienne Balibar e Jacques Lacan) escreveu no seu livro ‘Ideologia: uma introdução’, a respeito da relação entre ideologia, subjetividade e racismo. Cito: ‘Sejam quais forem suas falhas e limitações, a exposição de Althusser sobre a ideologia representa um dos grandes avanços nesse tema no pensamento moderno. A ideologia já não é, agora, apenas uma distorção ou uma reflexão falsa, uma tela que intervém entre nós e a realidade, ou um efeito automático da produção de mercadorias. É um meio indispensável para a produção de sujeitos humanos. Dentre os vários modos de produção de qualquer sociedade, há um modo cuja tarefa é produzir as próprias formas de subjetividade; e é tão material e tão historicamente variável quanto a produção de barras de chocolate ou de automóveis.’
Em poucas palavras, a subjetividade capitalista, imperialista, e colonialista que tem produzido e reproduzido a ‘acumulação originária de capital’ e sua ideologia racista é a mesma subjetividade alienada que tem produzido e reproduzido o modo de organizar sociedades divididas em diferentes classes sociais, raças, gêneros, e nacionalidades dentro de nossa história abominavelmente desumana.
Mais uma vez parabenizo-lhe e agradeço-lhe pelo texto (ágil e interessante).”
Depois de ter lido todos os comentários (parnaibanos e não parnaibanos), confesso que me sinto muito honrado. O post já tem quase mil acessos. Por se tratar de um assunto muito sério e até complexo, considero um número bastante elevado. Parnaíba está de parabéns!
Para minha surpresa, reencontrei neste mesmo Portal CN, um artigo de minha autoria datado 08/01/2014, dois dias depois da morte do saudoso amigo Eliziário. Trata-se de um grande músico que integrou a célebre orquestra parnaibana “Piratas do Ritmo”. Na orquestra, ele dominava o contrabaixo acústico, e, eventualmente, o violão elétrico. Mas ele era mesmo conhecido pela sua voz de crooner – a voz negra mais bonita que me lembro de ter ouvido em Parnaíba. O artigo, intitulado “Eliziário”, ainda se encontra neste endereço: https://portalcostanorte.com/eliziario-por-vitor-de-athayde-couto/
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