PETISTAS

 

Vitor de Athayde Couto

Os poetas fingem e até nos fazem acreditar que as aves canoras existem para enlevar a nossa alma; que o canto mavioso dos pássaros apascenta o nosso espírito etc. etc. Eles não se dão nem o trabalho de definir alma ou espírito, até porque poetas não são obrigados a fazer ciência.

Ainda bem que existem biólogos e ornitólogos que estudam a vida e os hábitos das aves. Esses profissionais nos ensinam que as aves não cantam para nos encantar. Os machos cantam para atrair fêmeas e marcar território – como fazem os cães e outros bichos tão territorialistas quanto os humanos. É muita pretensão achar que os pássaros cantam pra nos deleitar, logo nós que somos os seus maiores predadores!

O melhor exemplo é o galo. Muitas vezes confundido com um despertador, o galo não canta para nos acordar na hora certa, como se fosse sócio do nosso patrão. O galo canta pros outros galos ouvirem, querendo dizer o seguinte:

“Este território aqui é meu, inclusive as galinhas dentro dele. Não ultrapasse a linha vermelha senão toma porrada.”

O canto dos galos não é nada mavioso, pois não passa de uma declaração de guerra, semelhante ao xixi e ao cocô que certos mamíferos espalham para marcar territórios. Por que os cães machos adultos levantam a perna? Ora, é porque o dono do poste é aquele que mija mais alto.

Por falar em poste, dizem por aí que muitas aves já se urbanizaram, a exemplo dos pombos e pardais, bem-te-vis, andorinhas, rolinhas fogo-apagou, corruíras e até sabiás-laranjeira, que não têm mais horas de silêncio para cantar! Mas não é verdadeiro dizer que as aves se urbanizaram. Ao contrário, foram as cidades, as máquinas e os incêndios que invadiram e destruíram o seu habitat natural. O silêncio da noite escura está sendo substituído pelo barulho e pela iluminação artificial.

Projetos amadores de loteamentos e condomínios fechados, vendidos como “ecológicos”, impedem o trânsito imprescindível de animais silvestres. Quando se deslocam, os animais plantam sementes e preservam as plantas. Mas, em lugar de passarelas para animais, os humanos instalam cercas elétricas.

Sejamos todos bem-vindos aos novos campos de concentração, cercados de concertinas, onde se toleram tutores e tutoras petistas, ou seja, os donos de pets. Como seus donos, os pets adoram alimentos processados, joias, enfeites, vacinas, antibióticos, tosas, cirurgias plásticas, perfumes e maquiagens. Ah, e brinquedinhos de humanos, inclusive eróticos.

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Ouça o áudio com a narração do autor:

 

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