Religiões no Brasil 5: AXÉ EM NOME DE JESUS

Vitor de Athayde Couto

Manhã cedinho de terça-feira. Ifé não quer comer.

– Venha, Fefé. Levante, hoje fiz mungunzá.

Com o ebó de milho branco, dona Valdete quer mesmo é agradar Nanã, pedir para ela ajudar a cabeça de Ifé, que anda jururu, com a perda do Peji e das gravações.

– Bora, Fefé. Nanã te chama.

Bastou falar o nome de Nanã, Ifé pula da cama mais animada e vai falando:

– Engraçado, mainha, eu tava pensando mesmo em Nanã. Sonhei com ela me aconselhando a procurar o serviço de perdidos e achados. Vou já na polícia.

Sem comer nada, Ifé se arruma, verifica se o BO está na bolsa e corre até a estação do metrô. Lá, encontra o Dindo, seu Antônio. Ele ouviu o incendiário gritar, perto do Peji: “Queima, Exu! Queima, demônio!”. Conversando no vagão, seu Antônio, que é aposentado, disse que já trabalhou bastante tempo nessas empresas de limpeza e segurança, e aconselhou:

– Ifé, esqueça a polícia. Procure a empresa. Toda empresa de transporte depende da confiança dos colaboradores, por isso o RH prefere recrutar evangélicos pra trabalhar lá.

Conforme seu Antônio previu, graças à sua longa experiência, Ifé recuperou o celular, intacto. Fez questão de agradecer e recompensar dona Antônia, que é funcionária terceirizada da limpeza. Foi ela quem encontrou e devolveu o aparelho, mas não quis aceitar nenhuma recompensa e disse, com firmeza:

– Oxe, irmã! Não faço mais do que minha obrigação, glória a Deus!

Mas, de tanto Ifé insistir, dona Antônia acaba concordando e diz:

– Tá bom, irmãzinha. Você quer me dar alguma coisa? Pois então me dê um abraço. Perdi meu filho anteontem, vítima de bala perdida.

– Mas, dona Antônia, a senhora não devia estar de licença do trabalho?

– Não, não tenho direito, sou terceirizada. Agora, se a irmãzinha quiser, pode mandar um pix pra nossa igreja. Lá, nós praticamos caridade. Meu grupo visita famílias pobres. Quando tem algum idoso acamado na casa, a gente doa fraldas geriátricas, em nome de Jesus.

– Axé, mãe!

Ifé começa a se dar conta de que o doutorado pouco lhe ensina sobre a realidade. São só conceitos, abstrações, teorias, métodos, tudo, menos os fatos reais. Volta pra casa, começa a ouvir e a transcrever as gravações.

(CONTINUA)

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