Religiões: NOTAS DE LEITURA 4
Vitor de Athayde Couto
Já somos mais de 213 milhões de brasileiros. Cada vez que o IBGE divulga dados oficiais do censo, Ifé cuida de se atualizar sobre “questões de gênero na dinâmica demográfica brasileira” – nas suas palavras complicadas de menina precoce. Além disso, ela quer saber mais, e parte de questões filosóficas como “de onde viemos, pra onde vamos?”. Pena que nem o IBGE, nem ninguém de sua família, escola ou igreja seja capaz de lhe dar uma resposta satisfatória.
De onde viemos, pra onde vamos, se nem sequer sabemos onde estamos? Espíritos vagueiam com olhos cegos pelo sentimento, não pela razão.
Algumas pessoas apenas se limitam a citar versículos ou a repetir frases feitas como: “essa menina é de outro mundo”, “um verdadeiro milagre”, “é por isso que eu acredito em reencarnação”.
Será que o pai do pequeno Mozart, nascido meio século antes de Allan Kardec, também teria ouvido esses mesmos lugares comuns?
Sempre à frente de seu tempo, Ifé levanta várias questões objetivas sobre os brasileiros:
– Quantos somos? Quem somos? O que comemos? Qual é a nossa cultura, ocupação, rendimentos, costumes… Qual é a nossa cor? – pensa Ifé.
Se o IBGE separar pretos e pardos, os brancos autodeclarados formam a maioria da população brasileira. Mas (como fazem os órgãos de estatística dos países de população verdadeiramente branca), se juntar pretos e pardos, são eles a maioria. A Estatística contém sutilezas que nem todo mundo tem a graça consentida de perceber.
Todavia, nenhuma questão inquieta mais o seu coração, agora de adulta, do que esta:
– Em que acreditamos? – Ifé não cansava de repetir – Em que acreditamos?
– Por que tu duvida, fia? Tu num crê nos Orixá? – perguntava vó Alika, em vida.
– Orixá é natureza, vó, mas tá a maior confusão. O IBGE não sabe disso e nem quer saber. A estatística foi branqueada pela academia. Quando se divulgam dados sobre desmatamento, incêndios florestais e agrotóxicos, ninguém se lembra de Oxóssi. Da poluição das águas doces que entristece Oxum, pouco se comenta. Quase ninguém nunca nem sequer ouviu falar dos microplásticos que já começam a destruir as águas do mundo de Iemanjá. Enquanto isso a natureza reage, provocando desastres “naturais” com que as atuais gerações nunca sonharam.
– E por que tu fala tanto nesse IBGE?
– Porque tudo está mudando muito rapidamente, vó, e o IBGE não consegue acompanhar tantas transformações. Cê tá vendo a minha cor? A senhora é preta-tinta-forte, mas, para o IBGE, eu sou parda.
– Tu também foi branqueada, fia?
– Sim, vó…
(CONTINUA)
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