RESPEITASMINA

 

Vitor de Athayde Couto

 

UM ÓCULOS

Quando o ministro da liga da justiça pede vista do processo, o assessor concursado acorre prontamente, e ajeita a toga preta do super-herói:

– Excelência! Aqui estão os vossos óculos!

– Obrigado, Jarbas. Mas basta um óculos, senão vou ter que pedir vistas do processo em vez de pedir vista.

 

UM OVOS

Hospedado com parentes, o ministro costumava pedir “um ovos” no café da manhã. Deu certo. A cozinheira sempre lhe servia dois.

 

UM CHOPES

No bar da esquina, o filho do ministro pediu um chopes. Mas o garçom, por desconhecer a hierarquia das carteiradas, só lhe serviu um.

 

UM LÁPIS E UM PIRES

De tanto o povo falar assim, depois de muito tempo a insistência e a repetição constante de um lápis no pires descontruíram a Gramática.

 

A CONJUGAÇÃO

Recordar é viver um passado que não volta mais. O presente, por sua vez, não é nada mais do que o futuro de algum pretérito imperfeito antecipado.

 

A PERSPECTIVA

Políticos adoram falar de perspectivas futuras. Mas nunca se lembram das perspectivas passadas.

 

A FORÇA DO PENSAMENTO

Nada é tão rápido e tão poderoso quanto o pensamento. Mas, a depender da idade, o esquecimento é mais veloz e chega primeiro.

 

O PODER

A justiça demora a falhar, mas sempre falha. Por isso mesmo ela nunca falha.

 

A SENTENÇA

O pior castigo do inferno é designar o condenado pra trabalhar na baia do call center e ficar noite e dia ligando pras operadoras, reclamando do mau funcionamento do celular do demônio. Dizem os infernautas mais velhos e experientes que isso deve durar até a eternidade, enquanto existirem smart phones.

 

O PÃO

De manhã cedo, quando o dia está menos quente, o demônio acorda mal-humorado e vai tomar café, sempre praguejando. Demônios não suportam comer o pão que o padeiro amassou.

 

O PAPEL TÁ CARO

Então, é Natal, rô-rô-rô! Mas, peraí! Se ninguém lê jornal, como as pessoas fazem pra limpar o braço?

 

RESPEITASMINA

Salomão herdou, da família, um cabaré decadente. Quando o governo passou a conceder aumentos reais do salário mínimo, os players do mercado de capitais construíram mais uma igreja para acolher fiéis seguidores da teologia-da-prosperidade-no-copo-com-água. Mas, logo onde?! Em frente ao cabaré sem nome, conhecido apenas pelo apelido genérico de róicouro. Por mais que bebesse copos e mais copos d’água, Salomão não via seu negócio prosperar. Certa noite sonhou com o demônio que lhe trouxe uma grande ideia. No primeiro sábado, logo após o culto, o cabaré ficou lotado. Pra surpresa de todos, a fila já arrodeava o quarteirão. No alto da parede do velho róicouro, agora se lê:

“CABARÉ FAMILIAR AS MINAS DE SALOMÃO”

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