UAIS

 

Vitor de Athayde Couto

HERÓIS PEDESTRES

“Infeliz a nação que precisa de heróis(Bertolt Brecht).

Se herói é quem salva a vida de inocentes, o que dizer dos “heróis pedestres” que levam inocentes à morte?

Até o século XIX erguiam-se estátuas equestres de heróis, verdadeiros ou não. Mas, o que as patas dos cavalos indicam?

Reza a lenda (aff…) que, se as quatro patas estão no chão, o “herói” morreu de causa natural. Se uma das patas estiver erguida, o “herói” morreu de ferimentos ocorridos em alguma batalha. Duas patas erguidas levam a crer que ele morreu em meio à batalha.

– Guirindó – perguntou Vado – e se a estátua tem só um “herói” pedestre? É por que ele caiu do cavalo ou não tem cavalo?

– Nem uma coisa, nem outra. Nesse caso, significa que o “herói” perdeu a batalha e ainda levou inocentes escravos e outros trabalhadores à morte.

– Tá certo, esse falso herói merece mesmo uma estátua sem cavalo.

– Perfeitamente. Assim, ele vai ter que ir a pé, batendo as botas, até encontrar o Judas, em algum lugar onde as botas se perdem.

– E que lugar é esse onde o Judas perdeu as botas?

– É o point dos delinquentes intelectuais. Lá, as histórias são tão mal contadas que, por isso mesmo, muita gente ainda acredita nelas – concluiu Guirindó.

TRINTA SEGUNDOS

Já recebi mil advertências pela internet pra fazer isso e aquilo, principalmente na área da saúde. A mensagem mais insistente e repetitiva manda-me esperar trinta segundos antes de me levantar.

De manhã cedo, sentado na cama, lembrei-me da mensagem e acabei fazendo uma descoberta importante. É que eu nunca me levanto de supetão. Por quê? Foi aí que me lembrei de minhas duas avós. Elas me ensinaram a rezar, sentado na cama, antes de dormir, e, também, depois de acordar, assim:

“Com Deus me deito, com Deus me levanto, com a graça de Deus e do Divino Espírito Santo.” Contando com o Glória ao Pai e o Sinal da Cruz, antes e depois da pequena oração, descobri que o tempo transcorrido dá exatamente trinta segundos!

E tem gente que exalta a tecnologia e jura que, sem ela, estaríamos todos mortos. Sim, muitas pessoas dependem mesmo de tecnologias. Talvez porque elas já não rezem mais.

UAIS

Adélia Prado, uma das maiores do Brasil, nunca se autointitulou poeta. Tirando palavras da boca do cotidiano, negava a sua condição de ser. Apenas poetava silenciosamente, com perfeição. Poetava, poetava e poetava, sem nem saber que poetava tão bem… até o dia em que Carlos lhe disse: Adélia, isto é poesia! Daí em diante Adélia também foi ser gauche na vida.

Achando que gauche é uma espécie de gaúcha neutra, quase metade dos brasileiros foram ao dicionário Houaiss e logo encontraram o significado da palavra. Agora, sim, tá explicado. Esses meio-brasileiros não leem Adélia porque acham que ela é apenas mais uma jornalista de esquerda.

Eu acho, tu achas, ele acha… e, quem acha, vive se perdendo. Tinha razão, o poeta de bom feitio, quando brindou o povo brasileiro com a sua oração.

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