UM VAR EM CADA ESQUINA

 

Vitor de Athayde Couto

Na Galícia, além do Espanhol, que é a língua oficial, fala-se também um patuá. O galego é uma espécie de portunhol, muito fácil de ser entendido e até mesmo compreendido por qualquer brasileiro atento e minimamente informado. Entre outras manhas, basta trocar o som do B pelo som do V, e bice-bersa, ops, vice-versa. Lembro que uma leitora parnasiana, que mora em Portugal, fotografou uma barbearia e me enviou a foto, ops, o print, por causa do nome do estabelecimento e do seu proprietário: “VARVEARIA DO BITOR”.

A leitora também ficou muito impressionada com a produção espanhola de energia eólica, nos arredores de Vilvao e Bigo, ops, Bilbao e Vigo, e comentou:

– Nas parnasias ibéricas basta uma garoazinha para provocar um apagão e a cidade ficar sem energia elétrica. A rede de distribuição, além de velha, há anos não recebe manutenção. Mas os políticos iberoparnasianos prometeram e até cumpriram o que sabem fazer muito bem: privatizaram a empresa estatal de distribuição de energia.

– O que mudou depois disso? – perguntei.

– Pouca coisa. Os apagões continuam, mas o atendimento ao público foi objeto de uma inovação organizacional, autenticamente tabajara, como nunca se viu em nenhum outro lugar do mundo. Por exemplo, a novidade impediu um cliente de entrar no escritório porque ele estava de bermuda. O segurança apontou para um aviso onde se lia: “É proibido a entrada (sic) de pessoas usando bermuda ou vestido muito curto”.

– Imagine, com o calor infernal que deve fazer em Parnasia, só lhe falta exigir paletó e gravata haha.

– Pois é, para não perder a viagem, o cliente negociou com o taxista que o aguardava, trocar a bermuda pela sua calça comprida de motorista. Assim, tudo foi resolvido no interior do taxi. Autorizado a entrar, o cliente não se conteve na curiosidade e perguntou quem decide se o vestido é muito curto, ao que o segurança prontamente respondeu:

– Senhor, quem decide agora é a Inteligência Artificial. Antes havia uma estilista para medir a distância entre a barra da saia e o joelho da cliente, mas a estilista foi demitida e substituída pela IA.

– Supondo que todas as clientes têm a mesma altura… – comentou o cliente.

– Como? Não entendi… – disse o segurança.

– Nada não, esqueça – disse o cliente e acrescentou: Aleluia! Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo! Estou me sentindo num jogo de big brother, onde quem decide a nossa vida é o VAR.

– Sim, sim, eu disse amém? Pois louvado seja, oh glória, aleluia etc., etc. – concluiu o segurança com muita segurança, salamaleques e todos os apagões a que tem direito, como cidadão, sem tirar a mão da Bíblia sempre aberta sobre o balcão da recepção da empresa recém privatizada.

O cliente já ia começar a ser atendido, quando teve início um outro apagão, mas a sua prioridade estava garantida, segundo o funcionário atendente que nunca pede desculpas a ninguém:

– Senhor, o sistema caiu. Mas não se preocupe. Quando o senhor voltar aqui, traga esta senha especial. Com ela, o senhor não será obrigado a entrar em uma nova fila.

E, assim, a inovação que parecia ser apenas organizacional, enganou bem. Revelou-se tecnológica, radical e paradigmática, provocando na cabeça 4.0 de seguidores de influencers uma verdadeira “revolução tecnológica” antecipada como nunca se viu. Nem mesmo em Manchester haha.

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Ouça o texto com a narração do autor: