O QUE É ESTATÍSTICA?

 

Vitor de Athayde Couto

 

JORNALISMO TABAJARA

Não raro deparo-me com reportagens, artigos de opinião e outras matérias que tratam “de um tudo”, principalmente no campo dos “maiores e melhores”. Maior produtor, maior exportador, maior isso, melhor aquilo e mais aquilo outro. Seria apenas cômico, mas, infelizmente, é também desinformação trágica. Por quê? Porque a suposta “informação” contida nesse tipo de matéria baseia-se apenas em… nada. Ou seja, em subjetivismos ideologizados, preferências, amizades e panegíricos habituais de quem “informa”. Não me surpreendo. Afinal, a imprensa livre deve traduzir a diversidade social. Acontece que tudo tem limite, seja o limite civilizatório ou o limite da inteligência. “Maior” e “menor” supõem método, dados quantitativos e fontes minimamente confiáveis. Quanto aos dados qualitativos do tipo “melhor” e “pior” devem-se recorrer a estatísticas de atributo. E mais, se o tema é contraditório, não vale o “jornalista” entrevistar apenas um lado. É preciso torturar os dados até eles confessarem. Os dados? Ora, os dados!

QUANTO AOS FATOS, ORA, OS FATOS!

Parodiando Nelson Rodrigues, “se as estatísticas não concordam comigo, danem-se as estatísticas”. Grande jornalista e cronista, Nelson Rodrigues foi quem melhor traduziu a tragédia que é a imprensa brasileira.

DELINQUÊNCIAS ESTATÍSTICAS

Uma das piores delinqüências estatísticas consiste em apresentar conclusões quantitativistas sem recorrer a nenhum dado quantitativo oficial: “Este país é o primeiro produtor, aquele é o segundo etc.”. Outra delinqüência é apresentar dados sem mencionar a fonte, ou utilizar fonte não oficial e nem sequer reconhecida pelos parâmetros do mínimo rigor científico. Não raro confundem-se, por exemplo, dados de produção com os de exportação. Há casos em que as datas e a sazonalidade dos dados importam muito na hora de se fazerem comparações, mas elas são “esquecidas”. Quando se trata de valores monetários, que são um bom recurso para que se possam comparar produtos heterogêneos, a inflação e o câmbio também são “esquecidos”, seja por incompetência, seja de propósito, conforme os objetivos políticos e ideológicos do jornalista ou do entrevistado que se pretende “neutro”.

MAS, AFINAL, O QUE É ESTATÍSTICA?   

Estatística é o seguinte: “Se eu comi dois frangos e você não comeu nenhum, significa que cada um de nós comeu um frango.” Haha, li essa frase na mídia, ou seja, em lugar nenhum e ao mesmo tempo em todos os lugares. Dizem (isso mesmo, dizem) que a frase é de autoria do grande filósofo Giordano Bruno, conforme consta na sua estátua na Praça das Flores, em Roma. Será que consta mesmo? Dizem também (dizem, isso mesmo) que a frase é de autor anônimo. E agora? Como é que fica?

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NOTÍCIAS:

NON CENSO

Nesta semana em que os dados do Censo 2022 começam a ser divulgados, o nosso reconhecimento vai para os recenseadores e os jornalistas merecedores desse nome. Um bom jornalista apresenta e analisa fatos, sempre com base em dados oficiais e fontes minimamente confiáveis, ouvindo diferentes pontos de vista. Um país sem censo é um país sujeito a fake news – e isso explica o desinteresse, o atraso e a falta de verbas públicas que prejudicaram o IBGE.

POPULAÇÃO ENVELHECIDA

Menor do que a esperada nas estimativas (203 contra 212 milhões de pessoas residentes), a população brasileira envelheceu. Mas é possível que a violência e o medo de entrar nos territórios dominados pelas milícias expliquem a menor abrangência do censo 2022, abaixo dos anteriores. Estima-se que cinco por cento dos domicílios ficaram fora da pesquisa.

SALVADOR X FORTALEZA

No Nordeste, a grande surpresa foi a queda de Salvador, de terceira para quinta cidade mais populosa do país. Fortaleza subiu para a quarta posição. Será? Bem, naturalmente alguns ajustes ainda serão feitos, e muitos debates trarão alguma luz sobre a questão demográfica. Esse é o momento de dar alguma utilidade às Regiões Metropolitanas, definidas há bastante tempo em torno das grandes cidades brasileiras, principalmente as capitais. Antes que se multipliquem gambiarras metodológicas, convém lembrar que a cidade de Salvador é uma ponta na beira do mar, ou seja, não tem para onde se expandir, exceto para o Norte. Claro que, se a ponte de Itaparica vier a ser construída, a conversa muda. Além dessa restrição espacial, convém lembrar que o sistema de transportes de massa experimentou significativa expansão e modernização, principalmente o metrô, que já extrapola os limites da capital. O principal resultado é a redução do tempo de deslocamento de trabalhadores, estudantes e outras pessoas até os municípios-dormitórios de Simões Filho, Lauro de Freitas e Camaçari. Por exemplo, uma viagem de metrô, do centro de Salvador até Lauro de Freitas, dura menos tempo do que uma viagem de ônibus urbano, num trecho bem menor, que vai do mesmo centro até o populoso bairro da Liberdade. A melhora da mobilidade urbana periférica e o aumento do preço dos aluguéis residenciais contribuíram para expulsar soteropolitanos. Apesar de morar em outros municípios vizinhos, eles permanecem soteropolitanos.  Apenas dormem na periferia da capital. Quanto a Fortaleza, não se pode dizer que a mobilidade urbana melhorou. Além disso, a capital cearense dispõe de mais espaço para crescer rumo ao Sul, ao contrário de Salvador. O resto é conurbação.

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